Bem, hoje vou fazer uma coisa diferente, convidei a Sofia Amorim (instagram @sofiasamr) , que é assistente de bordo na Ryanair, para que ela nos contasse um pouco da sua experiência, rotina e ponto de vista de quem cuida de nós “lá em cima”.

Sofia “o palco é teu”. PS: As letras a negrito correspondem às perguntas/comentários que fiz, tudo o resto é da autoria da Sofia.

Sou a Sofia, portuguesa e tripulante de bordo, assistente de bordo, comissária de bordo, cabin crew, flight attendant ou que nome queiram dar a esta profissão no meio de tantos outros! Atualmente vivo em Lisboa – ou, pelo menos, é onde tento colocar os pés no meio de tantos voos. Lancei-me na área da aviação há quase 2 anos e, neste momento, trabalho na companhia aérea Ryanair.

O que mais gostas no teu trabalho?

A interação com os passageiros, a diversidade de culturas, o facto de não ser algo rotineiro e a facilidade de conhecer outros lugares.

Qual a parte mais difícil de ser assistente de bordo?

De forma geral, diria que são 3 fatores incluídos nesta pior parte:

• Os horários, visto que temos uma rotatividade bastante grande e estamos sempre dependentes dos voos que vamos operar. Isto é ótimo para quem não gosta de rotinas (e posso identificar-me neste sentido), porém não é benéfico ao ponto de não conseguir ter padrões de sono regulares e, eventualmente, em certos casos, levar a níveis de exaustão…

• A distância. Todos sabemos que neste tipo de trabalho estamos sujeitos à mobilidade geográfica e acabamos por ficar longe de família, amigos e até de namorado(a)/cônjuge. Apesar de não ser o meu caso, pois estou baseada em Portugal (chamamos de base ao aeroporto do qual operamos), é algo que muitos colegas são sujeitos.

• A falta de empatia das pessoas. Grande parte da população acha que estamos ali para servir bebidas e afins, quando o nosso principal foco é a segurança dos passageiros e da aeronave. O mesmo se aplica com a falta de respeito e tolerância para com a tripulação de cabine quando há atrasos, quando não podemos aterrar por determinadas circunstâncias, etc…

Quais as atitudes dos passageiros que mais te irritam?

• a falta de organização durante o embarque;
• a má educação quando muitas das vezes o assunto está relacionado com segurança, meteorologia ou ground staff;
• piropos e tentativas de assédio;
• o facto de deixarem a cabine completamente suja depois de passarmos com o lixo diversas vezes;
• trocas de assentos enquanto o embarque ainda não está completo (e mesmo que esteja completo, por favor perguntem ao tripulante se o podem fazer… não sejam inconvenientes e mal educados).

No geral, são estes os pontos principais, visto que se enumerasse realmente as situações… teria assunto por mais 5 anos!

Que conselhos darias a quem vai voar pela primeira vez?

Ser uma pessoa alerta e estar atualizada sobre as regras de entrada no destino, ler a política de bagagem (neste caso da Ryanair) e estar pendente por email a qualquer alteração/notificação que a companhia possa emitir.

Depois disso, não ter medo! Estás perdida no aeroporto e precisas de alguma informação? Pergunta a algum funcionário! Sentes-te nervosa em relação a voar? Quando entrares na cabine, informa um membro da tripulação dessa sensação! Estamos lá para ajudar e dessa forma já estaremos alerta da situação caso comece a escalar/piorar.

Por fim, ir à descoberta! Não te sintas insegura por ser a tua primeira vez a viajar. É completamente normal ter aquele sentimento de ir a algo desconhecido e a experiência pode ser estranha no início, mas pensa que vai melhorando à medida que o vais fazendo, portanto não vale a pena fechares-te num canto. Se estás sozinha, junta-te a uma tour, free walking tour, procura pessoas pelo Couchsurfing, faz questões num ponto de turismo ou até mesmo a pessoas pela rua, simpatiza com os outros hóspedes caso fiques num hostel… há mil e uma formas de explorar o mundo e de criar recordações! Decide fazê-lo da maneira que quiseres; apenas não deixes o medo tomar conta de ti!

Quais as tuas 3 principais dicas para quem vai voar na Ryanair?

• Verificar bem as medidas das bagagens que vão utilizar e também o que a tarifa inclui. Há muitos passageiros mal informados ou que, honestamente, nem se dão ao trabalho de consultar o que podem trazer com eles. As surpresas surgem mais tarde nas portas de embarque ou mesmo na aeronave e não é tão agradável…

• Se o suposto é fazer escala para 2 ou mais voos, recordar que são poucas as rotas que a companhia inclui com escala, isto é, as reservas serão separadas. Ter mala despachada/mala de porão (na Ryanair) implica ter que a recolher e despachar novamente a cada escala e ter pouco tempo entre escalas não é aconselhado, principalmente nas épocas altas (como o mês agosto na Europa por exemplo).

• A Ryanair, em particular, é uma companhia que envia e-mails constantemente para recordar os passageiros de tudoooo! Estejam atentos a estes e-mails, não usem a desculpa de “ah, não sabia” quando foram informados mil e uma vezes. Isto inclui os assentos serem pagos, os controlos sanitários de cada país (agora já começam a cair em desuso todas as leis para a COVID-19, mas ainda há destinos com certas regras), o passaporte para o Reino Unido (atenção, seguidores do Vasco!), a necessidade do cartão de embarque ser obrigatoriamente impresso em alguns aeroportos (essencialmente aeroportos marroquinos) e qualquer alteração que possa interferir na viagem.

O que aconteceria se um passageiro se recusasse a usar o cinto de segurança?

Como o nome indica: cinto de segurança. Isto quer dizer que durante as fases mais críticas do voo – descolagem e aterragem – ou em qualquer fase do voo em que o sinal luminoso esteja acendido, o mesmo deve ser utilizado. Na eventualidade de um passageiro se recusar a usar o cinto de segurança, alertá-lo-ia para a situação e explicaria, de forma suave, a razão pela qual deveria fazê-lo. Se continuasse a recusar, levaria a situação ao comandante.

Em caso de estarmos em terra, há sempre tempo para abrir uma porta a quem não quer voar e cumprir com as regras…

Qual foi a situação mais estranha e outra engraçada que já viveste a bordo?

Trabalhar na aviação é saber que cada dia vais ter uma história diferente a bordo… ou tens um pai a mudar uma fralda a uma criança no chão (com casas de banho com fraldário disponível ao lado!) ou tens 5 despedidas de solteiro a bordo ou tens passageiros que necessitam de fazer o seu plano de ioga a bordo ou grávidas quase de termo não notificadas ou passageiros com trolley, 2 mochilas e 3 sacos do IKEA (que eu nem sei como passaram na porta de embarque) a querer todo o compartimento superior só para os seus pertences… acho que adotar um estilo de crónica semanal a descrever as situações que acontecem não era mau pensado! (seria uma boa ideia Sofia).

Há flexibilidade de eu trocar de assento se estiver a viajar sozinho?

Dependendo do assento original e de cada situação.

Qual foi o voo com mais turbulência?

Já tive imensos voos com turbulência, portanto será algo difícil de me lembrar, mas diria que talvez um Charleroi – Lisboa que tive durante a operação de inverno, visto que enfrentávamos uma tempestade com trovoada. Porém, já na operação de verão, os voos de Valência na aproximação final, também têm sido com bastante turbulência.

As tuas conversas com os teus colegas durante o voo implicam falar dos passageiros a bordo?

Sim, desde situações fora do comum a passageiros mal educados, passageiros que chamem mais à atenção, passageiros que sejam super simpáticos, etc. Acho que todos os tripulantes de bordo têm um momento durante algum voo em que fazem um comentário desses.

Já alguma vez algum passageiro te tentou engatar?

Sim.

Se conseguires vender raspadinhas ou perfumes a bordo, ganharás alguma comissão sob a venda?

Sim, bem como serviço de bebidas e snacks.

Se a minha mochila (não mala) tiver uns cms a mais do permitido, vais implicar com isso ou não ligas?

Desde que caiba debaixo do assento (sendo esta a indicação apresentada aos passageiros), por mim não há qualquer problema. Penso que seja algo que diga mais respeito aos trabalhadores de terra que se encontram nas portas de embarque.

Nós, como passageiros, que pequenas coisas podemos fazer para facilitar o teu trabalho?

Antes de tudo, consultar todas as vertentes relacionadas com a viagem, seja o tipo de tarifa que têm e o que inclui, seja regras e documentação relacionada com COVID-19 (porque os países têm legislações diferentes e portanto varia conforme a rota ou destino). É sempre bom repetir esta informação.

Durante o embarque, sejam bem educados: um bom dia, boa tarde ou boa noite nunca fez mal a ninguém. O mesmo para o desembarque: um obrigado/a também vos fica bem. Afinal de contas, a tripulação esteve ali para vocês.

Ainda relacionado com o embarque, perdoem-me as palavras, mas sejam pessoas racionais: se notam que um voo está cheio, tentem agilizar. Tentem colocar as bagagens de maiores dimensões nos compartimentos superiores da forma correta e, se têm bagagem adicional, sigam as indicações e coloquem debaixo do assento à vossa frente pelo menos até que o embarque esteja concluído. Aí sim: se sobrar espaço, coloquem-na em cima à vontade! Outro ponto importante nesta fase é não mudar de assentos a toda a hora. Isto só dificulta o mesmo e causa atrasos, atrasos esses que mais tarde estarão a reclamar dos mesmos… se o querem fazer, façam-no mais tarde e nunca antes de perguntar a um membro da tripulação!

Se tens medo, pânico ou ansiedade, avisa-nos o mais previamente possível. Como mencionei antes, isto ajuda-nos a estar mais alerta. Menciona também se estiveres grávida (e semanas) ou se tens alguma condição médica que aches relevante (incluindo com quem viajas, medicação, etc). Lembra-te que és dos nossos principais focos e que quanta mais informação tivermos melhor, pois mais fácil será de sabermos como agir ao ocorrer alguma situação mais complicada!

Obrigada pela oportunidade de poder dar a conhecer um pouco mais do lado que as pessoas não demonstram tanta atenção ou respeito!
Beijinhos, Sofia (instagram @sofiasamr)

Sofia sai do palco, e volta a entrar o Vasco.

Espero que antes do teu próximo voo tenhas ainda mais empatia com todo o staff que está lá para nos ajudar. Temos que “trabalhar em equipa”, e facilitar-lhes a vida, tal como eles já o fazem por nós. Tudo isso somado, fará com que todos tenhamos uma excelente experiência a bordo! Bons voos!